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sábado, 21 de março de 2009

CRÔNICA - O PERU DE NATAL

Lá se vai mais um ano. Quem anuncia o novo ano é o Peru de Natal que morreu degolado, estrebuchado; congelado, descongelado e, finalmente recheado das mais diversas maneiras nas mesas natalinas. Nem vamos falar do preço! Afinal, Natal, é prenúncio de novo ano, e a figura principal é Jesus. E por Ele vamos à missa do galo.

Peru faz parte da festa natalina. Mas foi importado das ceias de natal portuguesas.
As aves de Natal são o peru e o galo. Por que recheamos peru (carne nobre) no Natal e, por que missa do Galo? Acredite nada tem a ver com a terra “brasilis”.
Há vários mitos. Peru tem a ver com Ação de Graças americano. Cristóvão Colombo quando chegou à América ficou tão fascinado com o sabor do peru e com a rapidez de seu crescimento que o trouxe para a Europa. Os faisões, cisnes e gansos, que eram servidos na Europa em grandes banquetes, rapidamente foram substituídos pelo peru americano. Assim aparece o peru na ceia de natal portuguesa. Já o galo acredita-se anuncia o fim de uma noite de trevas e o começo do nascimento de Jesus. Segundo a lenda, em Roma, ano 400, um galo cantou à meia-noite do dia que Jesus nasceu. Ora, os galos cantam ao amanhecer... Então, criou-se o hábito de levar um galo à missa da meia-noite de 24 de dezembro para que ele cantasse ( co, co, riiii, coooo)! Daí a tradição da missa do galo. Entende-se o porquê de ninguém comer galo... nem galinha na noite de Natal.!Também nunca vi um galo ser levado à missa do galo! (Donde se vê que as tradições, se perdem no tempo)... E o pobre peru sofre a consequência da história na mesa de Natal.

Todo ano fico insegura ao colocá-lo no forno. Olho aquela pobre ave, sem saber muito que fazer para torná-la mais apetitosa, apesar das dicas do fabricante.
Navego pela internet em busca do peru mais saboroso. É tanta receita que fico com medo de arriscar. Analiso as sugestões, geralmente, os ingredientes estão além da minha região e aquém do meu poder aquisitivo. Debruço-me na minha receita tradicional, pois, ao longo dos natais, aprendi as receitas que agradam à família.
Uma leitura daqui, uma pitada dali, acaba incrementando o tal peru. Lá vai ele para o forno, em papel de alumínio.
O cheirinho de carne assada aos poucos aguça a gula. (Bom, muito bom, sinal de que a ave promete).

E de repente... o gás, ... pufff..! - Oh, Deus, logo agora, o que acontecerá com o peru de Natal? Por que gás se esvai sempre no momento menos oportuno?
- Pai, depressa, o gás, terminou! O peru vai encruar, grito desesperada!...
Papai desce as escadas correndo pra garagem. Ufa!... E sobe com outro botijão!
O fogo volta e continuo desconfiada de que o peru está prejudicado...
Não quero fazer feio na noite de Natal! Mesa recheada de iguarias e enfeites. Abro o forno, desconfiada, afasto o papel laminado, jogo o caldo sobre o peru conforme instruções; sapeco minhas mãos; queimo os dedos, sapeco aqui, sapeco ali...
Lembro-me - dias atrás li numa reportagem que cozinhar deixa marcas... E o prazer do cozinheiro é ostentar as marcas como troféu!...Aiiiii!
Enquanto isso... Corro pra lá e pra cá buscando dar à mesa natalina um toque especial. O pessoal que espera o peru joga conversa fora frente à televisão, os mais novos enfrentam seu narcisismo no espelho brincando de ficar elegantes, uns poucos foram à missa do galo. Crianças correm e gritam por aqui e ali, beliscam furtivamente. Que cheirinho bom, tia! Tilintar de telefones. Músicas de Natal, luzes coloridas enfeitam a casa, risos, perfumes no ar. Vida. Família. União. Esperança. Solidariedade. Respeito. Força de vontade. Sonhos. Sorrisos. Lágrimas. Saúde. Nossa profissão. Amor aos pais pratos servido à mesa com toalha decorada. Motivos natalinos. Velas, pratos, copos e talheres para esse momento tão sublime!
Abro a tampa do forno na minha solidão de cozinheira. Bocejo. Ufa! Que cansaço! Apesar do apagão momentâneo o peru promete...
Cheirinho divino e até “pecaminoso” de carne tenra toma conta de toda casa. Dou-lhe novamente banho de calda que escorre entre o papel laminado. E “queima” contra o calor do forno. Ninguém agüenta o cheirinho do peru. E aos poucos correm à mesa, sentam-se. Calma pessoal! Ajudem-me a tirá-lo do forno. Mãos não faltam. As minhas, sapecadas, ficam de lado. E a mesa sublime está composta com os apóstolos da minha família e de tantas outras famílias. Obrigada, Senhor! Rezamos de mãos dadas.
Brindamos a nova vida. E a vida em família. E a outros tantos natais.

Prof.ª Marina Nicéia Cunha
Língua Portuguesa e Literatura
Colégio Estadual de Marmeleiro

Crônica publicada no Jornal de Beltrão em 2008.

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