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domingo, 26 de maio de 2013

Conto que conto de Marmeleiro

Mata fechada. O cheiro de pinheiros recendia por entre as árvores que se desenhavam sob a luz do sol num céu azul cinzento e frio de junho. O solo estava úmido da chuva que caíra durante a noite. A umidade dava brilho às pequenas plantas coloridas rastejantes que se alimentavam da clorofila. Animais se divertiam de lá para cá se alimentando dos pinhões que caíam despretensiosamente povoando a terra com seus frutos. Os tatetos então faziam a festa! Podia-se ouvir ao longe o canto da gralha azul.
De repente o rugido da onça pintada causou um reboliço danado entre os bichos que desabalaram por entre a mata, cada um procurando salvar-se do terrível felino que estava à caça para alimentar-se e aos filhotes esfomeados pela falta de alimentação naquele inverno do ano 1800.
 A chuva castigava a mata que vergava sem proteção deitando-se sobre a terra molhada.  A água distribuía poças entre galhos, folhas e flores que aos poucos fugiam como meninas desobedientes e corriam em busca de novos espaços – um riozinho aqui, outro ali esburacara a terra. A terra indefesa então se abria às águas lentamente desafiando aquele mundão de mata verde abençoadas pelo sol e pelas estrelas. E uma nascente se formou. E aos poucos a água cristalina desceu desabaladamente as encostas, rompendo barreiras, abrindo espaço para vencer os desafios de se transformar em rio.
E a Terra girou e as estações se sucederam. O rio cresceu sulcando os espaços por onde passava... Às suas margens novas plantas e árvores floresciam. Era tanta riqueza em fauna e flora por ali, que surgira um mundo sobrenatural naquelas matas a ser descoberto.
E o que mais encantava a beira do rio eram as árvores de folhas pequenas e muito verdes que cresciam à sua margem. Os pássaros dançavam ao seu redor e fazia os ninhos entre os galhos frondosos do marmeleiro, a árvore verde sob o céu azul.
De repente passos rápidos quebraram o silêncio da mata. Tudo se aquietou para ouvir além do barulho das águas que corriam silenciosas, aqueles passos que não se importavam com os obstáculos que lhes impunha a natureza.
 As pequenas passadas ligeiras deixavam para trás marcas de sua passagem. Um e mais outro, e outro, e mais outro. E no final da trilha na curvatura do rio ouviam-se vozes e mais vozes incompreensíveis, mas que comandavam várias pessoas.
 Via-se no banquete a disputa do tateto sem vida. À espreita a onça. Os pássaros se aquietaram nas árvores. O sol se quebrava por entre as árvores de marmeleiro.
Os homens nus de corpos ágeis e pintados de urucum dançaram após a refeição num ritual de conquista e satisfação. As mulheres de cabelos negros e olhos brilhantes tinham sinais de sangue marcado no rosto e no peito, símbolo da caça que realizaram. O desafio marcava suas faces queimadas de sol.
 Após a refeição, os guerreiros se retiraram sem olhar para elas. E avançaram pela mata cavando um longo túnel para proteção da aldeia. As mulheres se juntaram à beira do rio para lavar o milho que adormecera por alguns dias nos cestos de palha. Os grãos esperavam o calor do fogo. O cheiro de milho assado e batido no soque pelas mãos das mulheres da aldeia espalhou-se ao longo do rio. Gritos de alegria se ouviam ao longe...
 Mas, de repente uma chuva fina e fria despencou por sobre as árvores e aos poucos os trovões e raios do deus Tupã apavoraram os desbravadores da terra de marmeleiro. Era tanta água! E o rio foi serpenteando e tomando outros espaços. Os curumins já não podiam mais pescar. Todos se aquietaram nas ocas esperando o deus da chuva se acalmar. A chuva desabara o túnel de proteção da aldeia.
E no verão os jovens guerreiros Caigangues deram seu grito de guerra. E ao redor do rio podia-se ver o marmeleiro, o ipê amarelo, a erva-mate, o angico, a palmeira, a samambaia, as amoras, o caraguatá, o marmeleiro...
Porém, agora só restava a batalha da disputa. E aos poucos os índios e os bugres foram desmatando novos caminhos à procura de Naipi, a deusa das águas, a índia mais bela dos Caigangues, que se banhara nas águas do rio Marmeleiro, abençoando todas as árvores ao seu redor.
 Mas Naipi andou de lá para cá e de cá para lá com sua tribo e se entregou ao amor de Tarobá e se transformou em uma rocha das Cataratas do Iguaçu e ele numa palmeira – ambos castigados por se amarem e desafiarem Mboi, o deus de forma de serpente.
E as histórias se sucederam...
De repente se ouviu ao longe a batida do facão cortando as matas, a foice e o machado singravam o céu. Árvores caíam. A gralha azul voou desabaladamente. Pequenas casas se organizavam ao longo do rio.  Vozes se agitavam. O carro de boi avançava. Gritos. Lamentos. Um choro de criança cortou a imensidão... Nova vida. Outras histórias...
Enquanto isso o rio Marmeleiro continuou margeando as diversas terras enquanto outros rios e terras com ele se juntaram e passaram a contar suas lendas no Sudoeste do Paraná.

Foto 1. Sol Poente- Pinheiros no antigo campo da CEM
Foto 2. Anoitecer - Rua Telmo Octávio Muller.
Fotos: Marina

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A velha


Sou uma velha senhora

E tenho bons modos

Ando vagarosamente

E nunca incomodo

Planto meu jardim

De rosas vermelhas

Beijo meus pássaros

E a terra onde nasci

Sou eles e eles são eu

Minhas vidas



Sonhei com todas minhas vidas
Minhas almas, quantas serão?
Nunca me vi e me sinto estranha
Pois me sinto alma em sonho que
me fiz descoberta, aberta, em busca
de luz
de tanto não ser – e amar
- Nasci
E assisto agora este meu viver.

Mas estou de passagem
Viajo
E atento para o que sou sem medo
Torno-me todo dia louca de desejo
Para nascer e saber onde estou
E viver minha passagem
Nas páginas de 18.01.1952

Novamente

Aqui estou
E
Finalmente
Vivo minha outra vida
Do viver para encontrar
O que não soube compreender
Nos sonhos
De tantas vidas
Por isso
Amo minha vida
E agradeço por viver nesta passagem
A vida, apenas a vida que novamente Deus me deu.

Tudo quanto sou

É tudo quanto penso
Neste mundo vazio
É onde estou
Vida vazia
Sem lá nem cá
Sob as areias do deserto
Queimo
Ardo
Na vida que vivi.