Hora certa!

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009



TRANSFORMAÇÃO PELO FOGO

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.

O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Mas, ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.

Do livro "O amor que acende a lua" de Rubem Alves

domingo, 25 de janeiro de 2009


CANTO O CANTO DE OUTROS CANTOS


Canto o canto da palavra
Choro o choro da poesia
Rio o riso da beleza
Pinto a cara da disfarçastes
Volto à volta de quem me ama
Entrego-me a verdade de suas pernas
Beijo os lábios da saudade
Olho os olhos negros do silêncio
Busco a verdade que não foi dita

Canto o canto da beleza
Acaricio o ventre que dá a vida
Beijo o seio que alimenta
Entrelaço as mãos que acariciam
Olho os olhos que desejo
Sinto o cheiro de quem ama
Quero o brilho da paixão
Agarro os cabelos da alegria
Vivo a sede dos embriagados

Canto o canto da descoberta
Quero o desejo da inocência
Sonho o sonho dos puritanos
Sofro a paixão dos inocentes
Penso na vida de quem não ama
Firo o sentimento dos desalmados
Desarmo a grandeza dos perdidos
Canto apenas canto
O canto da palavra

POESIA


Marmeleiro, 21/12/05

sábado, 24 de janeiro de 2009

Poemas



O CORVO
Edgar Allan Poe

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
“É só isto, e nada mais.”
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
“É só isto, e nada mais”.
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivesse palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Fernando Pessoa
traduzido do The Raven, de Edgard Allan Poe)


ANNABEL LEE

Edgar Allan Poe

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.
Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.
E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.
E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.
Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.
Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Viagem a Porto de Galinhas


Minhas férias este ano tiveram alguns dias maravilhosos.
Venci dois medos: viajar de avião(minha primeira vez), e deixar por alguns dias papai e mamãe.
Afinal acostumada estou tirar uma semana numa das praias do Paraná, em janeiro, e voltar sem muita novidade.
Dessa vez o destino era Porto de Galinhas, Nordeste do Brasil. Aventura enorme para mim.
Costumo sempre no final de dezembro ou início de janeiro, escrever minhas metas a curto e longo prazo.
As de curto prazo alcançáveis durante o ano, por exemplo,elimino-as e aperfeiço-as e as de longo prazo, repito-as na lista novamente.
Essa viagem ao Nordeste está no meu caderno desde 2003. Graças ao convite do meu querido irmão Leonel lá fui eu conhecer um pouquinho do Nordeste.
A viagem voando pelos céus foi emocionante. Olhar as nuvens daqui da terra é uma beleza, mas vê-las das alturas, passar entre elas, é emoção indiscritível.
Na ida: Curitiba-Brasília-Recife(alguns km de carro) e estávamos em Porto de Galinhas. Na volta: Recife-Rio de Janeiro-Curitiba.
Todos que perguntam: - Por que Porto de Galinhas?
A história relatada pelo motorista da casa onde nos hospedamos é a seguinte:
Quando o tráfico de escravos foi proibido, os senhores de escravos ainda necessitavam deles para o cultivo da cana-de-açúcar, produto ainda cultivado na região Nordeste; então, para evitar de serem pegos traficando negros, os colocavam nos porões dos navios e disfarçavam a "carga" com galinhas de Angola. Note-se que esses escravos vinham mais da região de Angola. Daí, o nome do Porto de Galinhas.
Por todo lugar que se vai, há "galinhas" para vender como lembrança aos turistas.
As "Galinhas de Angola" estão em tudo: orelhões, panelas, artesanatos, expostas nas ruas para se tirar fotografias, enfeitando as residências... As "galinhas" se tornaram "prata da casa", melhor dizendo, ouro. Quanto aos afrodescendentes, por certo, a história não lhes valorizou tanto quanto mereciam!Grande parte deles trabalham no plantio e corte de cana, de empregados nos mais diversos setores... Não consegui descobrir se havia afrodescendentes com poder aquisitivo alto naquela região. Muitos usam a terminologia "doutô", "sinhô".
Para mim, Professora de Português, foi uma aula maravilhosa, observar as variantes linguísticas "in loco". Lá é comum se falar "muvuca" - quando há muito movimento de pessoas; "mar mexido" - muitas ondas; "biscateiro" - vendedor de tudo.
No começo era difícil entender o sotaque deles e eles o nosso. Dez vez em quando saía um Ahnnnnn! Mas a língua portuguesa é maravilhosa e nos oferece imensidade de palavras para facilitar a comunicação. Ao final dos 15 dias, já brincávamos com os diferentes falares.
As ruas de Porto de Galinhas são estreitas, abarrotadas de lojas, restaurantes, gente que não acaba mais. A comida(não tive o prazer de experimentar), pois minha gastrite teimou em acabar comigo durante a estadia. Mas os pratos são regados a azeite de dendê, leite de coco, coentro. É muito frutos do mar. Há comida para vários gostos e bom estômago.
Falando em bom estômago para se achar comprimidos nas farmácias para dar uma melhorada no pobres intestinos, era uma verdadeira romaria.
Não é somente a comida que faz sofrer os estômagos mais sensíveis, mas o calor é sempre em torno de 38, 40 graus.
Tudo muito caro. Lá observei que o preço começa sempre com 100 reais. Poucas coisas são de menor preço. Os olhos pasmam diante de tanta coisa linda! Ao virar a etiqueta, o susto! Também quem manda ganhar pouco, eheheheeh.
Por falar nisso, observei o seguinte: há os muito ricos e os muito pobres.
Nos condomínios é tradição a família trabalhar para o patrão. O patrão confia nos empregados que cuidam da casa durante sua ausência. Todos de origem afro.
Várias vezes puxei conversar com alguns sobre esse sistema e se havia muita violência nos locais onde moravam e eles deram respostas lacônicas, desconversando.
Um guia me disse:- É o que aparece na TV. Não dá pra negar.
As praias são maravilhosas! Muitas pedras e recifes. Essa é a diferença das nossas aqui no Paraná. Areia grossa e pesada. Água morna e límpidas. Por onde passamos, não vimos poluição no mar.
Realmente são verdadeiros paraísos.
E para acrescentar cultura Olinda, Recife. Impossível escrever tudo aqui.
Valeu a pena! Ah, se valeu!