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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Lembranças de uma menina no Regime Militar

                Mês de março no Brasil é tempo de relembrar principalmente os erros da ditadura militar a partir de 1964. Os escândalos atuais têm alguma relação de imposição e desfaçatez, na atual democracia pela qual se lutou tanto e alguns até deram sua vida pelos ideais que acreditavam: políticos, sociológicos, filosóficos, etc. Algumas pessoas permanecem desconhecidas na luta por um país democrático e outras lutam no dia a dia para que o país continue democrático.
                Alguns brasileiros se importam com a história da sua Pátria, outros, não aprenderam a valorizar a terra tupiniquim. De quem é a culpa? Não é tema para discutir-se neste texto, pois quero reportar-me ao dia 31 de março de 1964, 50 anos atrás, e contar-lhes um pouco sobre esta data, cujos acontecimentos até hoje são importantes para a história do nosso país. Já foi considerado feriado e comemorado na escola com hinos e versos.
Dia 31 de março de 1964 estávamos de viagem de Curitiba à Pranchita.  Fomos pegos de surpresa pelo “golpe militar” deflagrado na madrugada.
 Ao chegar a Pato Branco, meu pai, João, soldado da Polícia Militar, transferido, ficou à disposição no quartel obrigatoriamente.  Passamos à noite num hotel e de manhã, ele nos colocou no ônibus da empresa Kovaleski. Seguimos viagem chorando por deixá-lo, agarrados à saia da mãe, que temerosa, não entendia o que estava acontecendo, pois o comentário era de que “estourara uma guerra no Brasil”. Polícia e sirene para todo lado anunciava que nada estava bem. Nossos olhos curiosos perscrutavam pela vidraça embaçada o silêncio.  Ninguém nas ruas de Pato Branco. Casas fechadas.  Durante a viagem, em cada rodoviária, ouvia-se o rádio para saber o desenrolar dos acontecimentos.  Silêncio entre os passageiros, afinal nem sabiam o que estava acontecendo. Um comentário em voz baixa aqui, outro acolá.
 Chegamos a Pranchita. Subimos o que hoje é a rua principal arrastando as malas até a casa da “comadre Zelinda, do Russo”, madrinha do meu irmão menor. Outra história de outro tempo que lá moramos em 1958-1960. D. Zelinda matou a fome das crianças e nos dirigimos à casa do soldado Gilberto para pouso. Nesse tempo as pessoas eram solidárias, como D. Zelinda que nos recebeu de surpresa. Os policiais repartiam sua casa com outros policiais porque todos eram jogados de um lado para outro, de acordo com as necessidades das cidades. Menos se observava as dos próprios policiais.
 Assim foi nossa vida de crianças e adolescentes. Nenhum policial da época da ditadura contestava. Apenas recebiam ordens dos comandantes e as cumpriam.  Ninguém ousava desrespeitá-los porque sua conduta era impecável.  Nada de corrupção. Um pequeno erro era cadeia e expulsão na certa. Exalto meu pai e colegas de farda que foram policiais de renome.
Avançando um pouco me vejo professora aqui em Marmeleiro nesse período.  Os professores tinham de buscar permissão em Curitiba no DOPS para poder lecionar, isto é, comprovar que nenhum era comunista e tinha ideias revolucionárias.
Professora de Ensino Religioso nos Colégios Estaduais de Marmeleiro, inocente, moça nova, cheia de sonhos e crenças na humanidade, ex-moradora da capital, que amava viajar, enfim, pessoa ideal para representar os colegas.  Documentos em mãos solicitados pelo DOPS que comprovavam a idoneidade de todos, viajei. 
A fila que antecedia o DOPS dobrava quarteirões diariamente.  Primeiro dia, segundo dia, terceiro dia lá estava eu às 6 horas. Somente no quarto dia consegui entregar os documentos para a pessoa na recepção que olhava e rabiscava as folhas com cara feia e ares de mofa.  Liberada, voltei com as cópias em mãos que permitiam aos professores lecionar. Aqui já pensavam que eu tinha sido abduzida pelo regime, apesar de ser filha de militar.
Ah! Esqueci-me de dizer que só no terceiro dia alguém se dignou no DOPS separar os professores do interior e das capitais para agilizar o procedimento e que me ofereci para representar os colegas. O ano? Talvez, 1969. Fui estudante e professora nessa época, mas esta é outra história.

Publicado no Jornal de Beltrão, domingo, 30.04, p.3.
               


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