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domingo, 20 de outubro de 2013

O peru de Natal e outras histórias

            Lá se vai mais um ano... É tempo de festas de Natal. Quem anuncia o novo ano é o Peru de Natal que morreu degolado, estrebuchado – o pobrezinho. Congelado, descongelado e, finalmente recheado das mais diversas maneiras nas mesas natalinas. Nem vamos falar do preço! Afinal, Natal é prenúncio de Novo Ano e melhores finanças. A figura principal é Jesus que merece todos os sacrifícios e atenção.  E por Ele vamos à Missa do Galo dar graças e pedir graças, enquanto o peru é preparado. Pensando bem, Jesus “não tem nada a ver” com a comilança natalina. Muito menos, o pobre peru! Mas a história entrelaçou suas histórias.        
 Peru faz parte da festa natalina. Mas foi importado das ceias de natal portuguesas.
As aves de Natal são o peru e o galo. Mas, por que recheamos peru (carne nobre) no Natal e, por que Missa do galo tradição na terra “brasilis”?
Há vários mitos. Porém, peru é parte da Ação de Graças do povo americano. De acordo com a história, Cristóvão Colombo quando chegou à América ficou tão fascinado com o sabor do peru e com a rapidez de seu crescimento que o trouxe para a Europa. Então, os faisões, cisnes e gansos, que eram servidos na Europa em grandes banquetes, rapidamente foram substituídos pelo peru americano. Assim aparece o peru na ceia de natal portuguesa. Já o galo acredita-se anuncia o fim de uma noite de trevas e o começo do nascimento de Jesus. Segundo a lenda, em Roma, ano 400, um galo cantou à meia-noite do dia que Jesus nasceu. Ora, os galos cantam ao amanhecer... Por isso, criou-se o hábito de levar um galo à missa da meia-noite de 24 de dezembro para que ele cantasse.  Daí a tradição da Missa do Galo.
Entende-se o porquê de ninguém comer galo, nem galinha na noite de Nata? Também nunca vi um galo ser levado à missa do galo! (Donde se vê que as tradições, se perdem no tempo).
  E o pobre peru sofre as consequências da história na mesa de Natal.
Todo ano fico insegura ao colocá-lo no forno. Olho aquela pobre ave, sem saber muito que fazer para torná-la mais apetitosa, apesar das dicas do fabricante. Certamente estou “velha” demais e apaixonada pelas aves para querer comê-las. Lembro-me da forma como são mortas e isso dificulta sua preparação.
 Sempre fui sensível à morte matada dos bichos. Chorava cântaros quando meu pai de madrugada juntamente com meus irmãos se encaminhava ao chiqueiro dos pobres porquinhos criados no fundo do quintal para a matança. Na minha cama escondia a cabeça entre travesseiros para não ouvir os gritos de dor e desespero deles. Não conseguia entender a festa da comilança após a morte dos porquinhos, se os havíamos alimentado todos os dias.  
Preocupada com o jantar natalino, navego pela internet em busca do peru mais saboroso.  É tanta receita que fico com medo de arriscar. Analiso as sugestões, geralmente, os ingredientes estão além da minha região e aquém do meu poder aquisitivo. Debruço-me na minha receita tradicional, pois, ao longo dos natais, aprendi as receitas que agradam à família.
 Uma leitura daqui, uma pitada dali, acaba incrementando o tal peru. Lá vai ele para o forno, em papel de alumínio.
O tempo passa... O cheirinho de carne assada do peru aos poucos aguça a gula.
E de repente, o gás, pufff!. - Oh, Deus, e, agora, o que acontecerá com o peru de Natal?
- Pai, depressa, o gás, terminou!  O peru vai encruar, grito desesperada.                                                                                                                                                                      
O pai desce as escadas correndo direto pra garagem. E sobe esbaforido com outro botijão! O fogo volta a aquecer o forno, mas continuo desconfiada que o peru esteja prejudicado. A mesa já está recheada de iguarias e enfeites.
  Abro o forno, temerosa, afasto o papel laminado, jogo o caldo sobre o peru conforme instruções; sapeco minhas mãos; queimo os dedos, sapeco aqui, sapeco ali... Ui!
Lembro-me - dias atrás li numa reportagem que cozinhar deixa marcas. E o prazer do cozinheiro é ostentar as marcas como troféu!...Aiiiii!
             Corro pra lá e pra cá para dar à mesa natalina um toque especial. O pessoal que espera o peru joga conversa fora frente à televisão, indiferentes ao que acontece na cozinha.

Os mais novos enfrentam o narcisismo frente ao espelho brincando de ficar elegantes, uns poucos foram à Missa do galo. Crianças correm e gritam por aqui e ali, beliscam as guloseimas, furtivamente... Que cheirinho bom! Nós vamos brindar também tia? Tilintar de telefones. Músicas de Natal. Luzes coloridas enfeitam a casa, risos, perfumes no ar. A alegria toma conta da família.
Abro a tampa do forno na minha solidão de cozinheira e espio a saborosa ave, douradinha. Bocejo. Ufa! Que cansaço! Que sono! Fecho o forno. Apesar do apagão momentâneo, constato que o peru promete...
Cheirinho divino e até “pecaminoso” de carne tenra toma conta de toda casa. Dou-lhe novamente banho de calda que escorre entre o papel laminado. E “queima” contra o calor do forno.
Ninguém aguenta mais o cheirinho gostoso da carne do peru. E aos poucos correm à mesa, sentam-se. - Calma pessoal! Ajudem-me a tirá-lo do forno. Mãos não faltam. As minhas, sapecadas, ficam de lado. E a mesa abençoada está composta com os apóstolos da minha família e de tantas outras – certamente - por este mundão de Deus. Os que foram à Missa do galo na Igreja Matriz Santa Rita de Cássia se juntam aos outros e rezamos de mãos dadas.
Brindamos à nova vida que nasceu. E a vida em família. E também a outros tantos natais que por certo virão. Adeus cansaço! Todos são risos e alegria. O peru pousa suculento na mesa de Natal da família pronto pra ser degustado.
Participação em conto. 9º  Concurso Francisco Beltrão de Literatura, 2013. 


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